O amor e a mulher:
A lírica camoniana está ligada a uma concepção neoplatónica do amor. Para Camões, o amor é um ideal superior, único e perfeito, o bem supremo pelo qual ansiamos. Contudo, os Homens, como seres decaídos e imperfeitos que são, são incapazes de atingir esse ideal, restando-lhes a possibilidade do Amor Físico, pura imitação do Amor Ideal. Segundo o poeta, o constante conflito entre o amor espiritual e carnal gera toda a angústia e insatisfação da alma humana.
Camões, espiritualiza a mulher – objecto do desejo e também um ser imperfeito - nos seus poemas, tornando-a a imagem da Mulher Ideal.
Os amores de Camões:
Caterina de Ataíde
Devota e de rara beleza, era a dama do Paço D. Caterina de Ataíde, a musa lendária de Camões, por quem este seria perdidamente apaixonado. O poeta imortalizou a bela dama sob o anagrama de “Natércia” (C-A-T-E-R-I-N-A/ N-A-T-E-R-C-I-A), de modo a ocultar a verdadeira destinatária de muitos dos seus poemas de amor.
Dinamene
“Alma minha gentil, que te partiste”
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís Vaz De Camões
Este soneto foi escrito por Camões após a morte de Dinamene - chinesa com quem o poeta teria vivido em Macau. Camões e Dinamene teriam viajado da China para a Índia, mas na costa do Camboja, próximo à foz do rio Mekong, o navio naufragou. O poeta conseguiu salvar-se e salvar Os Lusíadas, mas Dinamene não teve a mesma sorte.
Bárbara escrava
“Endechas a Bárbara escrava”
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular, Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
U~a graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva.
Luís Vaz De Camões
“Endechas à Bárbara Cativa” é um canto de louvor à beleza de uma mulher negra e escrava que despertara a paixão do poeta. Para esboçar o perfil da musa, Camões faz um jogo de antíteses, estabelecendo o contraste entre a “negritude” da cativa, e a alvura da mulher branca e loura, celebrada, petrarquianamente, pelos poetas seus contemporâneos.
Poemas de Luís De Camões por Eunice Muñoz e Ary dos Santos: